quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Aftersun (2022)

 


Esse longa da diretora Charlotte Wells traz, com muita sensibilidade, as lembranças de Sophie com seu pai durante suas férias 20 anos atrás. O filme é um retrato pessoal sobre a saudade e como esse sentimento se reverberou na menina até a idade adulta. Na Turquia, nos anos 90, ela registrou em VHS momentos com seu pai que, embora feliz com a presença da filha, escondia seus próprios demônios e medos.

De momentos alegres a emocionantes, o filme tem uma linguagem simples, sem grandes momentos feitos para emocionar, pois sabe que a beleza da vida está nesses singelos aprendizados que temos com as pessoas que amamos. Filha de pais separados, Sophie não tinha, à época, os instrumentos necessários para perceber pelo o que seu pai passava. Algo que ficou gravado na sua vida, ainda que de forma discreta ou escondida.

Paul Mescal foi indicado ao Oscar nesse papel com louvor, devido à sutileza com que seu personagem vivenciou aquele momento com a filha ainda criança. A depressão do personagem se contrapõe ao amor que ele devota à filha naquelas férias de verão. Destaque também para a fotografia muitas vezes granulada, típica das filmagens com fita, trazendo certa nostalgia às cenas.

A alegria e a melancolia foram bem retratadas, pois a saudade de um ente querido gera esses sentimentos em todos nós. Em muitas cenas, basta um olhar para vermos como o sentimento ultrapassa o roteiro escrito. Nesse filme, a inocência e a confusão da garota se misturam, pois foi algo importante na sua vida e que aos poucos vai se perdendo no tempo, exceto pelas filmagens que ainda possui daqueles dias.

Trata-se do amor de uma filha e seu pai, mas, sobretudo, é um filme sobre todos os sentimentos oriundos e misturados que derivam de apenas um: a saudade de alguém especial.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Past Lives (2023)

 

Num Oscar monopilizado pelo efeito “Barbenheimer”, meu voto de melhor filme vai para Past Lives (Vidas Passadas) uma produção da Coreia do Sul/EUA da diretora Celine Song. Ontem o assisti e estou pensando nele até agora. Contando a história de dois amigos que se separam quando crianças (a garota vai morar no Canadá e EUA) e tentam se encontrar depois de adultos. O filme trata sobre a impressão que deixamos nas pessoas após nossa partida.

Ela se torna uma pessoa diferente, inclusive mudando de nome, acaba absorvendo a cultura ocidental, enquanto ele permaneceu na Coréia com os mesmos costumes e hábitos. A diferença não apenas de cultura, mas de vida, seria suficiente para que eles tivessem um novo momento juntos depois de 24 anos separados? O filme é perfeito em explorar esse encontro dos dois, já que, como explica uma cena do longa, há pessoas que se vão e outras que ficam. Gostar de alguém está em justamente ser quem se é.

Os diálogos são cheios de significados, embora bem simples. A cinematografia com planos distantes ou foco no ambiente, explora bem essa imensidão que separa os dois que, embora juntos, estão em momentos diferentes. O filme levanta a ideia de que se alguém entra na nossa vida é porque tivemos algo com essa pessoa em vidas passadas, numa outra realidade. Acontece quando você encontra alguém e parece que já conhece essa pessoa de algum lugar, sabe? É sobre isso. Pra mim, foi uma obra quase hipnótica. Fique preso à história pois me vi representado nos sentimentos dos personagens, uma vez que, assim como eles, eu também já tive que deixar minha vida, minha cidade, morar em lugares diferentes e até voltar a minha origem para descobrir os laços que me ligam a algumas pessoas.

Se você gosta de refletir se existe algum “destino” ou um fio invisível que liga as pessoas na sua vida, esse é um bom filme para sentar com calma e pensar sobre isso. Assim como serve para pensar no ato de ir embora, pois, como diz no filme "quando você deixa algo para trás, você ganha algo também". Embora ache que não leva a estatueta, no meu coração, esse é o vencedor do Oscar.

quinta-feira, 22 de junho de 2023

Ser feliz não é fácil, mas vale a pena


Nesses dias me deparei com um conceito novo: felicidade eudaimônica. O que explicou bem por que escolhi fazer Crossfit e Muay thai, em vez de ficar deitado vendo Netflix. Bem, sempre que pensamos em felicidade, ao menos em curto prazo, lembramos dos momentos breves, porém prazerosos, que caracterizam o que chamamos de felicidade hedônica. Quando comemos um chocolate, vemos vídeos no Tik Tok de cachorrinhos ou relaxamos no sofá, podemos dizer que ali está o hedonismo.

Contudo, o ser humano pode ficar viciado nesses estímulos fáceis, mas também instáveis. Por outro lado, há uma felicidade que demanda tempo, dedicação e certo esforço para ser obtida, a eudaimônica, que mostra que o homem não prefere sempre receber tudo fácil e que certa dose de trabalho duro pode gerar um bem-estar mais longínquo.

Isso foi demonstrado por experimentos em que os participantes tinham a opção de ficar ociosos ou ocupados (caminhando por 15 minutos, por exemplo). Poucos participantes escolheram estar ocupados, a menos que fossem obrigados ou oferecida uma recompensa. No entanto, os pesquisadores descobriram que aqueles que passaram 15 minutos caminhando acabaram significativamente mais felizes do que aqueles que passaram 15 minutos parados. Em outras palavras, a ocupação contribuiu para a felicidade, mesmo quando se achava que seria melhor ficar ocioso.
 
Os animais, por exemplo, parecem entender isso instintivamente: em experimentos, a maioria prefere trabalhar para obter comida do que receber alimento de graça. Pesquisas mostram que o esforço é essencial para esse tipo de felicidade, o que explica a satisfação e orgulho ao concluir uma tarefa extenuante. Ou seja, nem sempre ficar na praia ocioso por dias pode gerar mais felicidade.  Isso pode explicar por que algumas pessoas preferem fazer um esforço significativo durante seu tempo livre. E explica por que escolhi fazer Crossfit ou Muay Thai, mesmo sendo atividade cansativas e fora da minha bolha social (risos).  
 
Logo, não devemos evitar uma ou sempre priorizar outra, o melhor dos mundos é o equilíbrio entre as duas felicidades. Evitar sermos escravos da dopamina de curto prazo - evitando redes sociais em excesso, comidas gordurosas ou doces, ou dormir até tarde mesmo sem sono -, e trabalhar mais por buscar atingir metas, ainda que requeira um pouco mais de esforço e tempo, mais que pode gerar algo bem melhor e mais duradouro para sua saúde física, mental e emocional.

quinta-feira, 30 de março de 2023

trinta do três


Aniversários são estranhos para mim, sabe? Inferno astral e toda aquela coisa de ansiedade. Já fui mais cético ou despreocupado com essas coisas, datas e números acrescidos à idade. Talvez pelo fato de raras vezes comemorar este dia, da maneira mais tradicional, digamos. Hoje, confesso, dou um pouco mais de valor. 

Eu só acho que tem dias que nos sentimos melhores que outros. Nesses dias bons, poderíamos fazer nosso aniversário, tipo fazer uma rotatividade e escolher um dia para celebrar. Por exemplo, nós escolhemos o dia do casamento, o dia de uma viagem ou das férias. Então, poderíamos também escolher o dia do aniversário. O dia exato do nascimento ficaria lá como uma lembrança, é só uma data. Já o dia de festejar, por outro lado, seria algo planejado e escolhido, aí sim seria mais...espontâneo. 

Não me entenda mal. Eu gosto do meu "dia". Acho-o emblemático, quase cabalístico. 30/03. 3 zero, zero 3. 30 barra 3. Trinta do três. É um palíndromo dos números. Só acho que, às vezes, nossa força de vontade e livre arbítrio poderia valer mais que a posição da lua em marte na hora exata que nascemos. Novamente, não se engane, acho bem divertido o horóscopo. Rende sempre muitas boas conversas, principalmente com vinho e uns aperitivos. 

Já comemorei "nivers" de todo tipo. Viajando, com a família, com amigos, "conjes" ou sozinho. Todos tiveram seus significados e valores. Seja num bar seja em casa durante a pandemia comendo bolo e torcendo para não tossir e perder o ar. Independente de como seja e de como serão os próximos, vou prezar pelas pessoas e energias positivas que tenho recebido sempre. A idade e a maturidade me trouxeram mais (re)significados e aspirações. 

Logo, seja num dia de chuva (março sabe como é, né) ou num de sol, como o de hoje, vou priorizar um novo e utópico horizonte, pois como disse o poeta Eduardo Galeano, "...é para isso que a utopia existe: para nos fazer caminhar".

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Versões

Assistindo a nova série “Sandman”, baseada nos quadrinhos de Neil Gaiman, há um episódio em que vemos que a genialidade de William Shakespeare poderia ter sido fruto de um “pacto” com o senhor dos sonhos. Claro, é um quadrinho de fantasia, entendo. No entanto, a despeito da ficção, isso me faz pensar sobre quão verossímeis são os fatos e pessoas representadas na história. Para muitos, o Shakespeare foi, na verdade, uma mulher, o que faz muito sentido para mim. É como aquele antigo verbete: “a história é contada pelos vencedores”. Para mim é simples. Contra fatos não há argumentos, salvo poucas exceções.

Deixando de lado o aspecto real e ficando um pouco na fantasia, gosto de pensar que muito do que vivemos hoje são resquícios e sombras do passado. Nenhuma novidade aí. Mas eu gosto de brincar com essas versões estranhas de fatos e personagens históricos, como no quadrinho de Gaiman. Será que aquele escritor, filósofo ou músico famoso era realmente assim ou tudo foi produzido para encaixá-lo em certo formato mais “comercial”. Como os defeitos que vemos em Hemingway ou em Dalí, no filme “Meia-noite em Paris”, quando o Owen Wilson volta no tempo e interage com seus ídolos e percebe como eles eram diferentes do que imaginava. Acho curiosas e divertidas essas suposições.

Fatos são reais, assim como a noticiada fotografia recente de uma nebulosa feita pelo telescópio James Webb. É real, mas não do jeito que vemos. Ela é uma representação baseada em dados matemáticos obtidos no espaço. Até por que, caso você estivesse no satélite e olhasse para uma nebulosa, provavelmente você não a veria como na foto, que provavelmente você colocará como tela de fundo do seu celular, pois a velocidade das cores é diferente no tempo e espaço, algo que nossos olhos humanos, e, portanto, limitados, não conseguiriam ver. O raio infravermelho que sai do seu controle remoto até a televisão não é visto a olho nu, mas ele está lá. Por isso, esse fato científico esplêndido é uma tradução, ou seja, não é como de fato é, muito embora continue sendo bem real.

Portanto, seja em um quadrinho, filme ou livro histórico, Shakespeare continua sendo Shakespeare, independentemente da sua versão que você aprenda sobre ele. Brinque com as versões, mas saiba identificar e respeitar um fato. 

Ah, e só pra reiterar, a terra é redonda. 

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Talvez


Será que um dia esquecerei o gosto da tua boca ou o cheiro do teu cabelo? Será que um dia estarei olhando para o horizonte e não pensarei imediatamente em você? Será que um dia você será apenas uma lembrança longínqua perdida nas poeiras da memória? Talvez, quem sabe.

Só sei que ao olhar no espelho de manhã, vejo-me diferente a cada dia e, aos poucos, tudo vai mudando. Uma vez li que a voz é a primeira coisa que esquecemos. Há uma verdade nisso. No entanto, quando a saudade bate forte, olho para o céu e esbravejo: “Então é assim, Deus, que será nossa relação daqui pra frente?”. A resposta nunca veio.

Nunca fui bom em despedidas, já escrevi algo assim antes. Já fui frio, distante e talvez maldoso. Não há nenhum orgulho nisso. Já quis pular da ponte na esperança de um anjo me buscar e mostrar como seria minha vida sem mim. Mas apenas vejo como ela é sem você. Rezei aos céus para voltar no tempo e corrigir algum momento que faria tudo ser diferente, mas não posso. Que crueldade, penso. O mundo continua girando e não para porque você está tendo uma crise. E se aprendi algo com o filme “Questão de tempo”, não importa quantas vezes voltemos ao passado, às vezes nada faria algo mudar. Destino ou coincidência, fica por sua conta.

Apenas vejo que a vida passa, em linha reta ou não, e se não a aproveitarmos, estaremos jogando fora as pequenas e singelas formas de sermos felizes que cada dia comum nos apresenta. Mas, apenas supostamente, se me perguntarem sobre o passado, numa mesa de bar, numa madrugada fria de uma cidade qualquer, com certa nostalgia no peito, talvez eu confesse que você ainda permanece em mim, que não teve um dia sequer em que não me lembrei de você, e que, onde quer que você esteja, eu estarei te enviando amor. 

quinta-feira, 5 de maio de 2022

A pior pessoa do mundo (2022)

Este filme de Joachim Trier é tão realista a ponto de desejarmos um pouco de ficção enquanto o assistimos, por isso, seja tão singelo e impactante ao mesmo tempo, e tenha conseguido seu espaço no Oscar 2022, como melhor longa estrangeiro. Não venceu, mas foi o que mais me impactou entre os concorrentes. No longa, Julie é uma mulher de quase 30 anos que vive mudando de ideia, de profissão, de amores. Se envolve com alguém, enquanto está em outro relacionamento, muda de faculdade algumas vezes, vive em conflito com seu pai e com seu próprio futuro, em relação a ser esposa ou mãe de alguém. Para mim, aí está a justificativa do título, pois a culpa sentida pela protagonista decorre do fato de que ela é uma pessoa boa, mas que erra e se arrisca, acabando por magoar outras pessoas na vida. Essa culpa a faz se sentir como a pior pessoa do mundo. Lembro que pessoas que são de fato ruins e mal intencionadas não carregam culpa e arrependimentos, logo, apenas pessoas boas se sentem mal pelas suas ações e histórias vividas.

Quem nunca se sentiu como ela? Perdido em meio a possíveis profissões nunca concretizadas, em relacionamentos incertos e com problemas familiares? Penso que o filme traz essa ideia de que podemos nos redimir sempre, pois a vida é sobre viver entre essas instabilidades, as dúvidas tão comuns e, acima de tudo, em arriscar sabendo que pode se machucar ou machucar alguém no caminho, mas nunca deixar de seguir. Você aí, lendo este texto, é uma pessoa boa, mas já se sentiu a pior pessoa do mundo alguma vez, né? Viver também é aceitar as instabilidades do mundo e as nossas próprias. Cicatrizes emocionais fazem parte de nossa história, e que em algum momento da nossa própria “jornada do herói” podemos ser vilões, mas em outro, podemos ter a chance de aprender e viver uma vida mais leve e feliz.

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Cadê os óculos?


Semana passada fui ao cinema assistir a um filme dinamarquês de óculos escuro. Pois é. Você imagina pegar sua pipoca, refrigerante, sentar confortavelmente na poltrona de um Itaú Cinemas e, ao olhar para o lado, ver um cara de shorts e óculos de sol numa sala escura? É para deixar qualquer drácula com inveja. Bem, obviamente não fiz isso de propósito. A casualidade da vida junto com a minha incapacidade de dizer não para um filme na telona, fez-me chegar a essa situação. Odeio levar coisas na mão, mas em São Paulo às vezes é necessário, seja um guarda-chuva, um casaco ou, no meu caso, meus óculos de grau. Nessa anedota, inclusive, não levei nada disso, ou seja, passei frio e vi tudo embaçado por algumas horas. 

Não me julguem, afinal, saí de casa com outros propósitos, caminhar, ver uma amiga, visitar lugares, comer e beber algo na rua e voltar para casa. Só que uma coisa foi levando à outra e quando vi estava de noite e a sessão iria começar. Destaco que meus óculos escuros têm grau, mas deveria fazer uma escolha, ou os usaria e parecia um vampiro na rua, ou não, vendo tudo borrado, mas ao menos seria mais socialmente aceito. Eu optei por um revezamento. Bom que a poltrona era perto da tela e conseguia ler a legenda, mesmo com minha singela, porém significante miopia. Se o áudio fosse em inglês, seria mais tranquilo, pois conseguiria entender melhor a película, mas em dinamarquês? Sem condições. A sorte que isso não comprometeu a experiência cinematográfica, que por sinal foi muito boa e agradável. 

Moral da história: não viva como um ariano impulsivo, tenha sempre um plano B. Ah, e não esqueça o casaco.

quarta-feira, 16 de março de 2022

Nota de 32

Esses dias estava pensando se ainda valeria a pena manter este moribundo blog, já que cada vez mais estou tendo dificuldade em sentar e escrever algo minimamente interessante devido a essa vida de adulto que é pagar contas, trabalhar, ver amigos e arranjar tempo para ter uma saúde mental adequada, seja lá o que isso for ou se é que já tive um dia. Além disso, é de conhecimento de todos que um dia passaram por esta página virtual, que este blog sempre foi um projeto individual, íntimo. Nunca tive a proposta de viralizar em nada, tampouco ser popular, algo que nunca fui nessa minha vida de cringe que cresceu nos anos 90. Entre algumas histórias, várias não estão aqui, seja por privacidade, seja por vergonha mesmo. Na verdade, boa parte das minhas experiências não foram aqui registradas, até por que gosto de misturar veracidade e ficção, assim, o leitor nunca sabe ao certo se aquilo foi vivido ou criado (a não ser que a pessoa me conheça ou me pergunte, aí não tenho problema em responder). 

Bem, dia 30 deste mês completo 32 anos e começo a pensar que comecei aqui quando tinha apenas 20, usando meu finado Windows XP, no quarto da minha casa, com um "gato" na internet a cabo dividida com o vizinho, lá no saudoso bairro da Cohab, na ilha de São Luís/MA. Estava na faculdade, tinha feito cirurgia, estava sozinho e tinha passado por um ‘perrengue’ amoroso quase-traumatizante. Esse era o contexto. Eu era um garoto. E o tempo passou. Nesses doze anos vivi e escrevi muita coisa, algumas publicadas e outras perdidas nas gavetas empoeiradas da vida. Nesses doze anos, cresci, mudei fisicamente, de cidade, de estado, consegui um emprego estável, viajei a lugares novos, aprendi idiomas, conheci pessoas, perdi pessoas, descobri o valor da companhia, do amor, da solidão e da saudade. Portanto, respondendo a pergunta no começo, penso que, se eu não escrever um livro, ao menos terei este singelo blog para me lembrar quem fui e quem sou, logo, para mim, vale a pena mantê-lo aqui, discreto e escondido, nessa terra-de-ninguém chamada internet.

Ps. Eu tinha 20 anos na foto.

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Onde cabe uma poesia?

Há uns meses atrás dei um livro de poesias para uma amiga, mas antes, fiz questão de lê-lo com cuidado e carinho, pois sempre admirei como podemos extrair informações e aprendizados valiosos desses textos. Apesar da métrica muitas vezes perfeita, rimas prazerosas e doses sentimentalismo (no bom sentido, claro), acho que gostamos de poesias porque nos identificamos. O pôr-do-sol, viagens, nascimento de uma criança, amizades ou decepções amorosas, são coisas que estão próximas e atingem nossa vida, querendo ou não. Quando terminamos uma poesia e fechamos o livro imediatamente, é porque aquilo fez sentido e o reflexo físico foi apenas uma consequência do que sentimos ao ler aquelas palavras. Pra mim, poesia devia ser incentivada nas escolas. Falo “incentivada” ao invés de “ensinada”, pois ninguém ensina a alguém a como ser um poeta. É algo que vai além, como o próprio conceito é muito pequeno se comparado ao valor subjetivo da obra. É um romance escrito em poucas estrofes. São linhas rasas que te levam profundo. É uma vida que cabe numa rima.

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Inversão



Um dia ele voltará para casa e andará por outra rua, pegará um caminho diferente, só para variar e confundir o cérebro. Irá a outro supermercado, comerá em outro restaurante, dará comida para um cachorro na rua e ouvirá outras músicas. Escovará os dentes com a outra mão e usará o condicionador antes do shampoo. Dormirá no outro lado da cama e depois em outras camas.  Sentirá amor no lugar da indiferença.

Trocará o barulho dos carros pelo canto dos pássaros. Comerá o doce antes do salgado. Fará exercício ouvindo Chopin e relaxará ouvindo heavy metal. Correrá com tempo e caminhará quando tiver pressa. Sentirá saudade antes de ir embora. Escreverá com a mão oposta e começará um texto pensando no final. Morrerá para renascer a cada dia. Viverá antes de sonhar.

Assim, um dia a vida se inverte. Inverte-se a vida um dia, assim.

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Um homem qualquer


João trabalhava numa fábrica, era pontual, zeloso e amigo. Todos gostavam dele, ainda que por vezes fosse ausente. Além do trabalho e da rotina da casa, João escrevia. Algo que ele escondia da família e da maioria de seus amigos porque sempre rolava um “escreve sobre o quê?” ou “você escreve onde? tipo um blog?”. Ele não entendia essas perguntas, apesar de simples e diretas. Para ele, explicar sempre foi mais difícil que simplesmente sentir. Sentia até demais, inclusive. Não somente dores emocionais acumuladas de anos, mas físicas também como dores nas costas, pernas e cabeça, já nos altos de seus 56 anos vividos. Com certeza a dor que mais sentia era a que vinha acompanhada da solidão, que desde criança se tornara sua amiga. O pior é que ela era uma amiga grata e fiel, pois nunca deixou João, mesmo quando ele não queria ficar só. Ele acendia um cigarro no quarto, sentindo o vento frio que vinha da janela semiaberta e ouvia uma música antiga, talvez dos anos 70, e lá sempre estava ela. Em uma noite, ele abriu as gavetas em busca de documentos no meio da noite e, como uma piada de mau gosto do destino, encontrou cartas e fotos perdidas de sua juventude. Perdidas, empoeiradas. Ele olhou para o lado e não encontrou a solidão, que costumava fumar um cigarro e tomar um gole de vinho ao seu lado em noites como essa. Dessa vez ele estava sozinho, de fato. Só ele e aquelas cartas e pensamentos que vieram em forma de lágrimas que assim como a chuva de verão não hesitaram em cair, quase que instantaneamente. Após esse breve momento, João não teve dúvidas. Ele nunca esteve sozinho, pois, como dizem, somos seres de falta e ninguém sai ileso de ninguém. Ele pensou. As pessoas ficam conosco, com todas as suas alegrias e tristezas, presenças e ausências. Assim seguimos, e assim seguimos.


segunda-feira, 28 de junho de 2021

Inverno, primavera

O inverno chegou. O verão que está diametralmente oposto também chegará. Diferentes estações, diferentes sentimentos. Fazer qualquer coisa no frio é difícil, alguns podem até dizer que gostam do inverno, mas tem coisas que o ser humano nunca irá se acostumar. Não por que não gosta, mas porque simplesmente não está na nossa natureza, nossa biologia. Acomodar-se no frio é um exemplo. Uma vez, em uma entrevista, perguntaram a um esquimó se para ele o frio era normal, afinal, ele morava em pleno deserto de vento e gelo. Ele, de pronto, respondeu que não, que o frio nunca será normal de se sentir e acostumar. "Não somos ursos, ou seja, não temos pele grossa com pelos. Somos animais frágeis, temos dentes pequenos e pés sensíveis. Logo, o frio não é algo para nós, definitivamente", ele disse. 

Bem, deixando de lado o aspecto biológico, o inverno é um tempo de recolhimento e aprendizado. Claro, é difícil imaginar que, após o verão e estações agradáveis, possamos nos sentir acolhidos em pleno 10°C de um dia nublado, mas acontece. Assim como alguns animais hibernam, o ser humano passa por algo parecido. Nem que seja espiritual ou emocionalmente. Também não precisa ser no inverno (rs). A questão é que é necessário esse movimento de reflexão. Não somos máquinas (ainda), logo precisamos de algo a mais, seja o nome que for - análise, perdão, redenção, autoconhecimento. Para seguir, é preciso se recolher, mas calma, isso também vai passar, afinal, nunca nos acostumaremos ao frio. A primavera é logo ali.

domingo, 30 de maio de 2021

Aquele velho


Aquele velho já foi uma criança inteligente, um jovem entusiasmado, um adulto organizado, um pai parceiro e um avô carinhoso, mas nunca deixou de ser o passado que insistiu em reviver. Naquela velha cadeira na varanda, perto do mar, ele lia papéis velhos, amassados e corroídos pelo tempo, porém, com algum esforço, conseguia sentir o cheiro do perfume do dia em que se conheceram, no gosto da cerveja gelada num bar que já foi fechado, numa cidade que já não mora mais. O choro não é um sentimento ou um ato, mas um samba antigo que se repete nas suas memórias de juventude. Quando perguntado pelo neto no que sempre estava pensando, aquele velho respondia: “No lugar que um dia foi meu, para onde fujo, onde ninguém irá me encontrar. Nas minhas lembranças.” A palavra ‘saudade’ só existe no português e para aquele velho, era como um poeta sozinho em uma ilha, uma flor esquecida no concreto, a marca de batom num copo já vazio. Um amor que nunca acabou, lembranças jamais esquecidas.

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Um lindo dia na vizinhança (2019)

Em uma biografia em formato bem diferente, “Um lindo dia na vizinhança” conta parte da história do apresentador infantil, Mr. Rogers, interpretado de forma magnífica por Tom Hanks. A diretora Marielle Heller fez o longa de uma maneira pouco convencional, pois, embora seja uma representação da vida de Mr. Rogers, o protagonista é o jornalista Lloyde Vogel, que recebeu a incumbência de escrever um artigo numa revista sobre o apresentador, enquanto passava por um momento difícil em sua própria vida.

Com problemas familiares e desconfiado, Lloyde se questiona sobre a extrema benevolência de Mr. Rogers, que sempre é uma pessoa atenciosa, empática e feliz, algo que Lloyde (nem ninguém) não estava acostumado a ver. O filme mostra como era a rotina do programa infantil, que, mesmo sendo muitas vezes brega e um pouco lento, cativava os telespectadores, tornando o Mr. Rogers um ícone da TV. O longa também é feliz ao mostrar a influência indireta de Rogers sobre a vida de Lloyde, que possui problemas de relacionamento com seu pai ausente, vivido por Chris Cooper.

Em um mundo cada vez mais cruel e acelerado, “Um lindo dia na vizinhança” deixa-nos refletindo sobre como podemos ser mais empáticos e como uma conversa verdadeira e interessada tem um poder magnífico na vida das pessoas ao nosso redor. Com o exemplo de Mr. Rogers, esse filme é uma verdadeira lição de vida e de compaixão.


sábado, 17 de outubro de 2020

This is Us (2016)

 

Hoje não trago um filme, mas sim uma série. This is Us foi lançada em 2016 pela NBC e criada por Dan Fogelman. Nós acompanhamos a vida de trigêmeos durante o passado, presente e futuro. Temos no elenco o casal Jack (Milo Ventimiglia) e Rebecca (Mandy Moore) e os filhos, Kate (Chrissy Metz), Randall (Sterling K. Brown) e Kevin (Justin Hartley). Cada um possui seu arco na história, onde acompanhamos suas vidas quando crianças e adultos. Jack possui problemas com o álcool e dificuldades financeiras após voltar da guerra. Rebecca, uma cantora amadora que não pensava em ter filhos. Os dois se apaixonam e têm que enfrentar dificuldades quando descobrem que terão trigêmeos. Quanto aos filhos, temos Kevin, um ator de televisão cansado com sua carreira superficial; Kate, uma mulher obesa com problemas emocionais com a mãe e dificuldades para emagrecer; e Randall, que encontra seu pai biológico que o abandonou quando ele nasceu.

A série é um drama familiar, mas nada estereotipada. Tenta fugir dos clichês ao demonstrar os problemas reais que as pessoas envolvidas passam, sejam traumas antigos ou novos, a série tenta revelar que todos temos fantasmas e desafios a enfrentar, mas claro, sempre considerando a condição social, financeira e emocional de cada personagem. Por isso, você corre o risco de se emocionar bastante ao acompanhar a vida dessa família, muitas vezes disfuncional, mas também muito unida por laços de amor.

Outro ponto alto da série é que ela aborda temas atuais, como alcoolismo, obesidade, depressão e adoção. Nós conseguimos gostar dos personagens tanto pelas qualidades como pelos erros (bem humanos) que cometem.  Ademais, mesmo se tratando de um drama, a constante troca no fluxo temporal na história dos Pearsons deixa o enredo dinâmico, emocionante e não muito arrastado e por isso a série vale a pena.


segunda-feira, 5 de outubro de 2020

A pé ele não vai longe (2018)

O longa-metragem de Gus Van Sant conta a história do cartunista John Callahan. Não é oficialmente uma biografia, mas apenas baseado na vida do artista. John (Joaquin Phoenix) era alcóolatra e, após sofrer um acidente de carro na década de 70 e perder o movimento das pernas, teve que se reinventar. Não só buscar ajuda para combater seu vício, como aprender a desenhar com o pouco movimento que ainda possuía. John desenhava com o lápis entre suas mãos. Ficou famoso pelo seu humor ácido e ironias. Criticava o racismo, a sexualidade, a sociedade e sua própria deficiência.

No grupo de apoio, ele conhece Donnie (Jonah Hill), que o acompanha nessa jornada de redenção pessoal. O filme, no entanto, não fantasia ou glorifica a sua superação, ao contrário, mostra com certa realidade os lados positivos e negativos sobre a vida conturbada de John. Mostra, por exemplo, o quão bom eram os momentos quando ele bebia muito e perdia o controle, sem colocar um culpa no personagem. Por outro lado, também mostra as dificuldades que ele possuía devido sua deficiência.

Esse filme mostra várias linhas do tempo do protagonista antes e depois do acidente e tem uma vibe feel-good-movie, pois, além de possuir uma fotografia clara, os quadrinhos que surgem na tela eventualmente ajudam a trazer leveza à experiência. É uma boa atuação em uma história de superação sem grandes glórias hollywoodianas. A jornada do artista no sentido da aceitação e adaptação, o que, mais uma vez, deixa o filme fiel à realidade.

 

 

 

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Amantes (2008)


 

Amantes (Two lovers) é um daqueles filmes que marcam de uma forma singela, ao mesmo tempo que trazem um aprendizado valioso. Inicialmente, quando o assisti lá em 2008, não vi tão claramente sua mensagem, que só fui perceber anos depois, após viver experiências que sempre me fizeram retornar a esse filme. Leonard é um judeu de uns 30 anos que volta a morar com seus pais após sua noiva o abandonar. Ele tem surtos depressivos e acaba se envolvendo com duas mulheres que entram em sua vida de forma casual. Cassandra (Vinessa Shaw), filha do sócio de seu pai e Michelle (Gwineth Paltrow), sua vizinha que possui uma vida turbulenta e problemática.

Ele vive fotografando lugares e continua preso mentalmente a seus problemas. Enquanto Cassandra traz à tona um doce sentimento de lar e família, Michelle vira seu mundo de ponta a cabeça, fazendo com que Leonard faça de tudo para ficar ao lado dela. Vive numa linha dividida entre a realidade de alguém que realmente gosta dele e a fantasia de conquistar outra que não demonstra interesse ou que não possui nada em comum com ele. O diretor James Gray faz muito bem isso ao jogar com as câmeras, quando, em um momento, Leonard se mostra desinteressado por Cassandra em seu quarto e busca imediatamente a ansiedade que é estar com Michelle, ao buscar sua janela.

O desinteresse que ele mostra por Cassandra, ele também sente em relação à sua vida, família e trabalho. Já com Michelle ele demonstra um outro lado, mas ainda assim muito ingênuo sobre a vida. Creio que o filme ensina a como visualizamos a realidade ou até a distorcemos, seja por imaturidade, seja por uma depressão ou traumas emocionais. Amantes é um drama romântico melancólico, com uma fotografia fria e uma trilha sonora judia que serve tanto aos momentos tristes, quanto nos felizes do personagem. Ah, e é mais uma atuação magistral de Joaquim Phoenix.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

De olhos bem fechados (1999)


Essa foi a última obra do aclamado diretor Stanley Kubrick, que morreu logo após o longa. Inicialmente, não foi bem recebida pela crítica, no entanto, com o tempo, foi-se percebendo as sutilezas e genialidades do diretor, que acabou por não ver sua obra finalizada.

Acompanhamos a história do casal Bill (Tom Cruise) e Alice (Nicole Kidman), ricos e com um casamento aparentemente perfeito, que ao irem em uma festa de gala, cada um acaba por flertar com outras pessoas, colocando à prova o casamento e mostrando que a relação não era tão perfeita assim. Bill flerta com duas modelos, enquanto Alice dança com um desconhecido que claramente apenas quer leva-la para a cama. Após a festa, em casa, o casal acaba discutindo e Bill fica transtornado ao ouvir uma confissão de Alice, dizendo que tinha se apaixonado por um marinheiro assim que eles se casaram e que largaria tudo para ficar com ele se tivesse uma chance. Bill então sai de casa para atender a um chamado – ele é médico – e acaba por perambular pelas ruas de uma sombria Nova York.

Bill interage com várias pessoas e, após saber de uma festa secreta através de um amigo pianista, acaba indo fantasiado a uma mansão isolada. Nesse momento, creio que fica mais interessante ao leitor assistir ao longa e tirar suas conclusões desse terror criado pelo Kubrick. De olhos bem fechados trata sobre relações, pecados, desejos reprimidos e falta de comunicação. Ao andar pela cidade, sob uma trilha sonora macabra feita apenas com o som de teclas de piano, Bill busca uma fuga de sua realidade conjugal ao tentar fazer coisas que normalmente não faz. No fundo, os personagens sucumbem aos desejos, mostrando que somos animais, vestindo fantasias de humanos civilizados.

De olhos bem fechados é um dos filmes que mais gosto e admiro do Kubrick, é um suspense que parece um sonho, mas com conotações e alegorias sobre instintos e desejos bem reais e que denunciam nossa condição humana. 

 

Na estrada (2012)



Dirigido por Walter Salles, Na estrada é a adaptação do clássico “On the road”, de Jack Kerouac e teve produção-executiva de Francis Ford Copolla. Retrata quando o jovem escritor Sal Paradise sai de casa em busca de aventuras, em 1947, para se inspirar a escrever seu livro, passando por diversos lugares e conhecendo várias pessoas, de todos os tipos. Como o amigo Carlo e o co-protagonista do filme, o elétrico e inconsequente Dean Moriarty, a quem Sal passa a seguir em diversas situações, desde noites de drogas, mulheres e até quando cometem pequenos delitos. O livro, assim como o filme, retrata a chamada geração Beat, principalmente citada na década de 50.

Walter Salles, vindo de experiencias magnificas como Central do Brasil e Diários de motocicleta, dá a esse filme uma bela fotografia e personagens fortes e interessantes, fazendo jus ao livro de Kerouac, no entanto, peca um pouco por se arrastar no segundo ato do longa, mostrando apenas uma repetição de viagens e delitos sem sentido. Por outro lado, o filme reforça o ritmo dos protagonistas, sempre ligando os jovens ao Jazz, que, com suas notas improvisadas e certa anarquia musical, demonstra bem a intenção e vida deles.

Destacam-se, também, os diversos personagens que atravessam a história, como a Marylou (Krinsten Stewart), a cativante Terry (Alice Braga), a comovente Camille (Kirsten Dunst) e o escritor Old Bull Lee (ótima interpretação de Vigo Mortensen), entre outros. Por fim, o filme trata com calma como, na verdade, aqueles jovens também eram egoístas e inconsequentes, a exemplo do Dean que se aproveita dos seus fiéis amigos seguidores que o tratam como se ele fosse uma quase-divindade, mas que, ao fim, percebe e acaba sofrendo as consequências de uma vida desregrada e de sua eterna fuga das responsabilidades.

Na estrada vale muito a pena, assim como a leitura de On the road é essencial para os amantes da literatura.

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Até a eternidade (2010)



Com o roteiro e direção de Guillaume Canet, esse longa francês aborda amizades e mentiras. Após o acidente com um amigo, um grupo mantém o plano de passar dias na casa de veraneio de Max (François Cluzet). Entre taças de vinho, passeio de barco, acontecem várias revelações que comprometem a amizades de todos em alguma forma. Todos têm que lidar com traições, homossexualidade, depressão e loucuras um dos outros.

Essa pequenas mentiras, do nome do filme em francês “Les petits mouchoirs”, surgem e colocam à prova o laço de família e a amizade do grupo que, mesmo após várias descobertas, tentam manter as aparências e o amor que cada um sente pelo o outro. Os dias nessa casa em frente ao mar se mostram interessantes e você fica curioso em saber como a mentira está em qualquer lugar, mas que, ainda assim, mantém várias pessoas juntas.

A atuação de vários atores atuais do cinema francês ajuda, como de Marion Cottilard, Gilles Lellouche e Benoît Magimel. Até a eternidade trata de amizade e em como aprender a (con)viver em grupo, lembrando muito as festas/férias que, às vezes, passamos entre família e amigos.

Solidão compartilhada



Tempos de quarentena são difíceis. Há três meses vou apenas ao mercado perto de casa, com poucas incursões ao trabalho. No entanto, semana passada, sai com um colega e decidimos pedir uma cerveja e tomar ali mesmo, na calçada, fora do bar (ambos devidamente com máscara e mantendo o distanciamento) . Entre algumas conversas aleatórias e recordações, o dono do bar solta “você sabe o Thales?”, meu amigo responde “sim, que tem ele?”, por sua vez o primeiro diz com um tom nebuloso “ele se matou no domingo”. Nessa hora o clima pesou e nós três sentimos um embrulho no estômago. E assim ficamos um tempo.

O dono do bar fala “...mas ele não era depressivo. Não entendi. Deve ter sido a solidão”. Eu, observando os dois conversarem sobre o amigo que se foi, fiquei sem palavras, até que, após um respiro, disse “quando a solidão vem, ela bate com força”. Todos nós assentimos. Logo após chegou um vizinho, mas o ar surgido do que fora contado há pouco sobre a morte de um conhecido ainda permaneceu ali, até se dissipar. Então, aquele bar, aqui no centro de SP, voltou a ser um pequeno reduto de filósofos e cientistas políticos de plantão.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

A despedida (2019)



Esse segundo filme da cineasta Lulu Wang é um retrato sobre a morte e relacionamento familiar. Conta a história de Billi, interpretada pela Awkwafina, que mora em Nova York e tem que voltar à China pois sabe que sua querida avó Nai Nai (Shuzhen Zhao) está doente e tem pouco tempo de vida. O longa explora bem a diferença de pensamento entre Billi com o restante da família, que opta por esconder de Nai Nai sua real condição. Algo que, aparentemente, é comum na China. 

A família, então, arma um casamento apenas com o intuito de unir a todos e deixar Nai Nai feliz, pois cada uma foi para um lugar diferente. Billi não entende, pois prefere conta a verdade à sua avó, mas sempre é repreendida pela mãe e tio. Ela, logo, passa a ficar mais na companhia da sua avó por saber de seu fim próximo e guarda o segredo. O filme tem sucesso em mostrar de forma objetiva as diferenças culturais que existem até mesmo em um povo com a mesma origem. O tio de Billi, para justificar o segredo, diz a ela que “se a pessoa tem câncer, ela vai morrer. Não é a doença que mata, mas o medo”. Uma visão, por vezes, bem diversa da encarada no ocidente.

A morte é o pano de fundo do filme, mas que possui um arco de dramédia e bons momentos em família, fazendo com que reflitamos sobre valorizar quem está ao nosso lado, mesmo que esteja, às vezes, longe. O laço familiar e o aprendizado extraído de momentos simples ficam marcados, mesmo que você nem perceba. Por fim, destacam-se as atuações da Awkwafina e da doce  Shuzhen Zhao, cada uma com sua sensibilidade.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Cópia fiel (2010)



Filme do diretor iraniano Abbas Kiarostami, “Cópia fiel” começa quando o escritor inglês James Miller viaja para uma pequena cidade na Itália para divulgar seu livro, que possui o mesmo nome do filme. Ele então conhece a dona de uma pequena loja de obras de arte chamada Elle. Os dois saem para andar pela cidade e conversam sobre vários assuntos.

No bom estilo “Antes do amanhecer”, os dois discutem sobre vários temas interessantes, como o valor do original e da cópia, arte e família. James é frio e racional, Elle é emotiva e preocupada, já que tem um filho e precisa assumir várias funções, como ser mãe, pai e trabalhar, ao mesmo tempo. Entretanto, o filme tem uma reviravolta quando, após serem confundidos por uma senhora, ambos se comportam como marido e mulher (ou de fato seriam casados e não sabíamos?). Aí se encontra a boa trama do diretor Kiarostami.

O filme é bem dividido nessas duas partes que não se excluem, pelo contrário, poderiam até serem invertidas que a trama continuaria interessante, já que ficamos com a dúvida sobre o que é real (ou cópia) na conversa dos dois. No entanto, esse entendimento você somente conseguirá extrair – se for essa a intenção, é claro -, ao assistir a esse filme, que é simples, mas que traz um debate importante, como por exemplo: A obra original não seria apenas uma cópia bem feita ou uma representação daquilo que já existe? O que é verdadeiro e falso na relação entre James e Elle? A interpretação é sua.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Lion – Uma jornada para casa (2016)



O drama conta a história de Saroo, um menino que se perdeu numa estação de trem em Calcutá. Então mostra os desafios que enfrentou até ser adotado por uma família australiana. Anos depois, ele busca encontrar suas origens usando o Google Earth. É uma singela trama emocionante, mas que também tem seus deslizes.

É um filme com cara de comercial publicitário e esse pensamento não é à toa, já que o diretor iniciante Garth Davis fazia comerciais de TV (acho que o Google ganhou uns pontos com isso). Ademais, a relação de Saroo adulto com sua namorada, vivida pela Rooney Mara, também não convence, mostrando ela distante do protagonista, mesmo o apoiando em sua jornada.

Os pontos altos ficam com a atuação da mãe adotiva, com uma bela interpretação de Nicole Kidman, do pequeno Sunny Pawar, correndo pelas ruas e chamando pelo seu irmão Guddu, e pela dicotomia entre a pobreza indiana e a riqueza no litoral da Tasmânia, onde Saroo foi morar após ser adotado. Ah, a fotografia também soube jogar bem com as luzes naturais e tem seu destaque no longa.

Lion foi indicado a 6 Oscars e trata sobre família, laços de sangue e origens.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Expresso do amanhã (2013)



Este filme de Bong Joon-Ho, diretor de Parasita (2019), traz o que restou da humanidade, após o planeta ter esfriado devido a uma tentativa fracassada de evitar o aquecimento global, vivendo em um trem dividido em vagões que definem suas classes sociais. Quem vive na parte da frente são os ricos e, no fundo, os pobres. O filme trata da tentativa de Curtis (Chris Evans) em chegar na parte da frente do trem, através de uma rebelião interna.

Assim como O Poço, da Netflix, o filme demonstra como o egoísmo e a exploração se tornam comuns tão somente pela condição social da pessoa, ou melhor, pela posição em que ela se encontra. No entanto, diferentemente de O Poço, em que existe uma segregação vertical e com a possibilidade aleatória de ascensão ou queda social, em Expresso do amanhã há uma divisão horizontal e com impossibilidade de movimentação da condição humana.

Assim, Curtis quer matar o Wilford (Ed Harris) que é quem defende esse determinismo social e é o criador do trem, morador do primeiro vagão. O filme mescla bem cenas de ação com uma critica social sobre como a sociedade é seccionada e como alguns que possuem muito vivem à custa da exploração de uma parcela da população condenada à pobreza e a péssimas condições de vida. Portanto, é um filme com um tema que é sempre atual e relevante.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

The Wire (2002-2008)



Ambientada em Baltimore, The Wire é um soco no estômago, mostrando de forma crua a frieza e a dura realidade de uma cidade decadente, dominada pelo tráfico de drogas e pela corrupção e jogos políticos sujos nos mais diversos níveis institucionais. No entanto, acima de tudo, trata da perda da inocência, da juventude e de qualquer ato de civilidade ou senso comunitário. O dinheiro move as pessoas, seja nas esquinas, seja nos corredores do Poder. A série não é maniqueísta e mostra que a diferença entre o bem e o mau é muito tênue.

The Wire não é uma série policial, ela é política, uma crítica social, logo, não espere vilão e mocinho bem definidos, nem grandes perseguições e cenas de ação, pois ela quer demonstrar como o sistema como um todo é errado e falho. O enredo é contado através dos vários personagens e suas aflições cotidianas, passando por policiais, traficantes, políticos, crianças, jornalistas e cidadãos comuns. Não há protagonista, todos contam suas histórias e representam bem como é a inglória realidade em uma cidade mergulhada na violência urbana. E, se fosse haver um personagem principal, seria a própria cidade de Baltimore.

Cada umas das cinco temporadas tem um foco diferente, sendo: o combate ao tráfico, o porto e os estivadores, a política, a escolas e a mídia local. Criada pelo repórter policial David Simon, The Wire foi produzida pela HBO e merece o título que recebeu há uns anos de melhor série já feita, por ser dura e realista, opinião essa que também compartilho.

segunda-feira, 30 de março de 2020

Jojo Rabbit (2019)



Este filme se tornou uma ótima surpresa no final de 2019, é uma adaptação de um livro de Christine Leunens, sendo vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado. O enredo fica em torno de Jojo Betzler, garoto de 11 anos, da juventude nazista e que tem como ídolo Hitler, que também é seu amigo imaginário, vivido pelo diretor neozelandês Taika Waititi. O filme é uma crítica e sátira dos mitos e absurdos ideológicos do nazismo, em como uma criança via e acreditava nas histórias sobre judeus e idealizava Hitler.


É um roteiro que traz leveza a um assunto complicado e delicado. Com vários momentos de comédia e ironia, o filme diverte e nos intriga ao ver como a visão de uma criança é tão fértil, mas também manipulável. O pequeno Jojo começa a questionar suas verdades ao descobrir que sua mãe, interpretada lindamente pela Scarlett Johansson, esconde uma judia num esconderijo na parede. Alí, começam a cair por terra as mentiras que até então Jojo acreditava sobre o que estava acontecendo na guerra.

O filme corre o risco de amenizar os horrores da guerra, trazendo um Hitler carismático e engraçado, mas tudo é entendido ao lembrar que se trata da imaginação do jovem Jojo, que tinha no ditador nazista o seu maior ídolo. Ademais, o filme não traz uma reflexão profunda sobre a guerra, não é essa a intenção da direção de Taika Waititi.

Por fim, Jojo Rabbit também faz sutilmente uma homenagem às mães que criam seus filhos sozinhas e nas alegrias que as crianças precisam ter na infância. É um trabalho responsável dentro de uma comédia leve e emocionante.




terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Parasita (2019)



Fazendo jus a ascensão do cinema sul-coreano, “Parasita” traz uma crítica social importante em um ótimo e provável melhor filme de 2019. Trata de duas famílias, de um lado os Kim, família pobre que vive em um sub-andar - quase-porão - em um nível abaixo da rua, com visão para uma lixeira constantemente urinada por bêbados. Do outro lado, os Park, a família burguesa que vive em um bairro rico, na parte alta da cidade.

Aos poucos, os Kim conseguem se infiltrar na família Park, quando o filho vai ensinar inglês para a filha dos Park. A partir desse ponto, o diretor Bong Joon-Ho trata com um humor ácido as artimanhas e malandragens dos Kim para conseguirem se aproximarem da família abastada. Exemplo disso é quando o filho dos Kim fala para toda obra artística “que metafórico!”, ironizando como a burguesia retratada nos filmes se considera melhor que os demais.

O segundo e terceiro atos são intensos e assumem conotações sombrias, dando um ritmo quente e extremamente interessante à narrativa, já que são feitas revelações na trama que mudam todo o plano da família Kim. Creio que o interessante nesse filme é como o diretor aborda a estratificação social na coréia (assim como também vemos aqui) através de metáforas, como, por exemplo, o fato de os Kim morarem bem abaixo da rua e os Park em uma colina, fato percebido quando eles sobem e descem a via, enfatizando as diferenças sociais. Por fim, o modo como os Kim se “unem” aos Park justifica perfeitamente o nome do filme.

“Parasita” é um filme genial, com belas tomadas e situações cômicas, fortes e também muito intrigantes.

domingo, 8 de dezembro de 2019

Despedida



E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado—sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.

Rubem Braga