João trabalhava numa fábrica, era
pontual, zeloso e amigo. Todos gostavam dele, ainda que por vezes fosse
ausente. Além do trabalho e da rotina da casa, João
escrevia. Algo que ele escondia da família e da maioria de seus amigos porque
sempre rolava um “escreve sobre o quê?” ou “você escreve onde? tipo um blog?”.
Ele não entendia essas perguntas, apesar de simples e diretas. Para ele,
explicar sempre foi mais difícil que simplesmente sentir. Sentia até demais,
inclusive. Não somente dores emocionais acumuladas de anos, mas físicas também
como dores nas costas, pernas e cabeça, já nos altos de seus 56 anos vividos. Com
certeza a dor que mais sentia era a que vinha acompanhada da solidão, que desde
criança se tornara sua amiga. O pior é que ela era uma amiga grata e fiel, pois
nunca deixou João, mesmo quando ele não queria ficar só. Ele acendia um cigarro
no quarto, sentindo o vento frio que vinha da janela semiaberta e ouvia uma
música antiga, talvez dos anos 70, e lá sempre estava ela. Em uma noite, ele abriu as gavetas em busca
de documentos no meio da noite e, como uma piada de mau gosto do destino,
encontrou cartas e fotos perdidas de sua juventude. Perdidas, empoeiradas. Ele
olhou para o lado e não encontrou a solidão, que costumava fumar um cigarro e
tomar um gole de vinho ao seu lado em noites como essa. Dessa vez ele estava sozinho, de fato. Só
ele e aquelas cartas e pensamentos que vieram em forma de lágrimas que assim
como a chuva de verão não hesitaram em cair, quase que instantaneamente. Após
esse breve momento, João não teve dúvidas. Ele nunca esteve sozinho, pois, como
dizem, somos seres de falta e ninguém sai ileso de ninguém. Ele pensou.
As pessoas ficam conosco, com todas as suas alegrias e tristezas, presenças e
ausências. Assim seguimos, e assim seguimos.
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