quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Cronista


Quem conta ou escreve histórias consegue viver de maneira única. Um livro, uma revista, um blog são painéis, pequenos retratos. O cronista é aquele que passa e percebe as redondezas comuns da vida com detalhes intrigantes e sinceros. É aquele que atravessa uma rua percebendo o bueiro destampado, os copos quebrados na esquina, uma flor esquecida na janela de uma casa amarela. É aquele que interpreta casos, que vê gente por trás de cada pequeno gesto, frustração nas pontas de cigarros na sarjeta e resquícios de uma paixão repentina nas marcas de batom em lenços de papel. É aquele que admira as árvores que tornam aquela estreita rua mais bela, que ouve a conversa durante um jogo de dominó na praça de um sábado qualquer. É aquele que agradece pelo meio sorriso que conseguiu tirar de uma linda garota. Quem escreve sempre vê o cotidiano com um olhar inédito. O escritor é aquele que pega uma carta amassada na calçada e entrega ao destinatário torcendo apenas para que seu dia seja mais feliz.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Negligência


Ele tragou o último cigarro da gaveta. Fazia um tempo que lia e relia seus autores prediletos. Arrumava papéis na mesa, deixava a caneta onde pudesse pegá-la facilmente. Mais perto que isso, só o copo e o cinzeiro. Lembrava que tinha que arrumar a casa, lavar as roupas e guardar os pratos. No entanto, ficava sentado, lendo rascunhos antigos e ignorando as trivialidades domésticas ao seu redor. “Dessa vez será diferente”, pensou ele antes de se encostar na cadeira. O teto do apartamento nunca pareceu tão distante e seus pés tão frios. “Duvido que o Bukowski usava meias”, pensou. Então deitou no sofá.  Um dedo do vinho do fundo da geladeira foi o bastante para ele ter o sono dos (in)justos. A luz que viu não foi a do fim do túnel, mas a do seu notebook, esquecido no canto. Os livros na mesa continuaram o encarando e a solidão foi sua única companhia naquela noite.