Hoje vi uma mulher fazendo crochê
no ônibus. Apesar de distante da minha realidade, sempre achei esse entrecruzar
de linhas uma arte, uma quase ciência, muito cartesiana e complexa para ser
aprendida. Mas ela era persistente, o calor não a interrompia, os buracos na
rua não a faziam errar. Os olhos curiosos dos passageiros não tiravam a
serenidade daquela senhora. Fazia voltas e mais voltas com a linha, escolhia cirurgicamente
o lugar a ser furado, e a agulha, que era segurada com a leveza de um pintor
que manuseia seu pincel, desenhava uma bela letra vermelha. A pessoa que faz transmite
honestidade e tranquilidade. Nada de louco pode ser associado ao crochê. Quem o
faz não precisa ser consultado no SPC/SERASA porque fazer um desenho num pedaço
de pano é ter um alvará de franqueza. Outrora, uma atividade feita pelos mais
velhos, hoje pode ser uma terapia, uma alternativa para quem não quer tocar
violão ou precisa de mais discernimento. A paciência em cada traçado tira a
pessoa do mundo real, aprende-se a ter foco e precisão. Havia paz naquele banco
no ônibus.
sexta-feira, 9 de outubro de 2015
quarta-feira, 30 de setembro de 2015
Aquela velha casa
Naquela velha casa havia coisas
antigas, um assoalho frio e paredes descoloridas. Havia, também, quadros na
parede de pintores desconhecidos, além de uma intensa saudade presente no ar. Alguns sabiam que
aquela casa existia, e bem poucos já tiveram o privilégio de conhecê-la por
dentro. Abrir a antiga porta de entrada, pisar no tapete empoeirado, andar pela
pequena sala com seus poucos móveis ancestrais. Havia uma pequena luz que
iluminava o sofá do século passado cor de vinho e de tecido europeu. Era uma
casa simples, mas que contava muito de si. As paredes eram o museu para as
pequenas obras de arte que desencadeavam emoções diversas, uma quase melancolia
invadia a alma ao ver aquelas pinturas. Ao fim de um estreito corredor, um
quarto. Apenas um. Uma cama grande, branca e encorpada ocupava quase todo o
espaço. Uma escrivaninha de madeira ocupava o seu lado, com porta-retratos, sem fotos. Dentro de
uma gaveta, velhas cartas, com letras amorosas, que revelavam um passado
bucólico entre duas pessoas. As letras contavam uma humilde história de amor. Quem
chegava ao ponto de ver aquela velha casa, sabia que nada poderia retirar dela,
tampouco os sentimentos que ali moravam, sem ninguém nela residir. As pessoas,
entravam, saíam e levavam lembranças nunca vividas, porém nunca esquecidas.
quinta-feira, 2 de julho de 2015
Quem te controla?
A
maneira como anda, trata desconhecidos, seu nível de egoísmo e até o que você
compra no mercado são decisões que você não faz. Acredite. Na década de 90, o
psicólogo John Bargh fez um experimento que teve repercussão e resultado
intrigantes. Ele dividiu voluntários em dois grupos e pediu que formassem
frases com palavras dadas por sua equipe. Mas com uma diferença: sem
perceberem, algumas dessas palavras eram relacionadas à velhice (esquecido,
careca, ruga, etc). Em seguida, Bargh pedia que todos os voluntários
caminhassem até outra sala e cronometrava. Resultado: o grupo que leu
mais palavras associadas com velhice andava mais lentamente! Repetidas vezes
ele refez o teste e obteve os mesmos números. Mensagens subliminares e inconsciente.
Essa era a resposta para tudo. Outro grupo de psicólogos, em 2006, experimentou
associar palavras relacionadas a dinheiro durante um jogo de tabuleiro entre
duas equipes de estudantes. Os que trabalharam com essas palavras se mostraram
mais egoístas e competitivos que o outro grupo. Fato.
Ou seja, quando as pessoas estão submetidas a um contexto social, adquirem hábitos e atitudes sem perceber.Tomam atitudes inconscientemente motivadas por emoções e, disfarçando esse fato para elas mesmas, criam justificativas aparentemente racionais para suas escolhas. Nada de abstrato nesses e noutros experimentos. Comprovaram, de forma sólida e objetiva, que o pilar central das teorias psicológicas tradicionais realmente existe. É que gostamos de pensar que somos senhores de nossas atitudes e decisões, mas é um estranho quem conduz nossas vidas: O inconsciente, que assume várias formas sutis em nosso cotidiano, não para enquanto dormimos e "trabalha" sem percebermos.
Ou seja, quando as pessoas estão submetidas a um contexto social, adquirem hábitos e atitudes sem perceber.Tomam atitudes inconscientemente motivadas por emoções e, disfarçando esse fato para elas mesmas, criam justificativas aparentemente racionais para suas escolhas. Nada de abstrato nesses e noutros experimentos. Comprovaram, de forma sólida e objetiva, que o pilar central das teorias psicológicas tradicionais realmente existe. É que gostamos de pensar que somos senhores de nossas atitudes e decisões, mas é um estranho quem conduz nossas vidas: O inconsciente, que assume várias formas sutis em nosso cotidiano, não para enquanto dormimos e "trabalha" sem percebermos.
segunda-feira, 1 de junho de 2015
Fuga e encontro
Se as palavras no papel acompanhassem
na mesma velocidade o que pensamos, teríamos verdadeiras obras de arte, mesmo
que prolixas e confusas, em sua maioria. Em meus devaneios diários não me
atrevo a tentar transcrever tudo o que reflito – se é que faço isso – num espaço qualquer. Não há tempo hábil.
Bem, uma coisa é o tempo, outra,
igualmente importante, é o objeto do discurso. Textos são pessoais. Ficção ou
fatos vividos são obras pessoais. O leitor deve saber que aquelas palavras
representam pequenos atos de egoísmo que são compartilhados para alguém. O
autor é o egoísta que mais doa ao mundo, logo. Se aqueles rascunhos permanecessem
“presos” em gavetas nunca abertas, de nada valeriam. O autor morreria com seu
orgulho, sozinho. Doar, por sua vez, também não significa ter um destinatário
específico. Escrever pode ter um sentido fechado, ou seja, o autor se contenta
com o simples (longe disso) ato de escrever. Faz porque tem que escrever, não
porque alguém tem que ler. Ou, como na vida, poderíamos dizer que você é o que
você ama, não quem ama você. Se o leitor identificar-se com o texto, ótimo; porque
escrever é fazer da fuga, um encontro.
terça-feira, 26 de maio de 2015
Um lugar pra ficar
Era
uma vez um cão. Ele ainda não tinha encontrado um lugar para ficar. Pra dizer
que era “seu”. Perambulava pelas ruas, revirava latões e dormia sob marquises.
Ele era um cão diferente, latia para si mesmo e os outros cães não o entendiam.
Urinava apenas quando ninguém estava olhando. Não queria um dono. Reclamava por
que Deus o tinha deixado nas ruas, ou ao menos permitido aquilo. O abandono é
cruel e seco. Adorava andar na cidade, conhecia todas as galeterias e fundos de
lojas e aos domingos ficava triste, mesmo sem motivo aparente. Às vezes,
passava na porta de uma velha igreja, entrava e sentava bem na entrada. Não
latia, um quase-acordo velado, assim, estranhamente, ninguém o expulsava. Mas logo
saía. O cão não tinha culpa de ter
quatro patas, em um mundo dominado por duas pernas, era corajoso, mas não se
sentia bem em alguns dias com isso. Seu amigo, um senhor grisalho com um “ar”
de padeiro, dono de um antigo restaurante, dava comida a ele. Já as outras
pessoas pareciam que o odiavam. Ele sempre foi um bom cão, fiel e companheiro,
mas sua fidelidade era solitária. Gostava de ouvir a música que saía dos rádios
dos carros quando estacionados, ouvia as promessas de amor entre casais quando
dormia embaixo dos bancos das praças. Ele tinha relações simples e leves com a
vida. O cão sempre lutou nas ruas para sobreviver, conseguiu resistência e uma
capacidade leniente de viver naquela selva egoísta que tirava suas energias.
Apesar disso, o cão era feliz e seu sonho era poder ver o mar que em seus
sonhos nascia embaixo de uma falésia rochosa num dia de sol. Esse era sempre seu
último pensamento antes de dormir, na rua, de novo. No outro dia, acordava e
caminhava discretamente pelas ruelas para não atrapalhar as pessoas. Aquelas
ruas eram o seu “playground” e seu destino.
sábado, 23 de maio de 2015
Momentos
Em Eclesiastes 3-1 diz que tudo há seu tempo e um propósito debaixo do céu, apesar de ser um não-seguidor de doutrinas, creio que falar de fé é, inevitavelmente, falar da certeza daquilo que não se vê, do que se espera. Há tempo de rir e chorar, de cantar e calar, de abraçar e de afastar-se, de guerra e de paz.
Tenho diversos objetivos, mas não busco criar expectativas absurdas quanto a eles, já que aprendi que não importa o quanto se esforce, haverá pedras no caminho que o deixará mais intrafegável, tortuoso, mas, com certeza, mais interessante. Planos e sonhos se complementam, como a técnica e o dom, como a poesia e o amor. Sempre busquei sentido em tudo, e isso me deixou sempre intrigado, congelado, quase que literalmente. Querer entender e decifrar todos os porquês da vida, mas digo, isso não leva a nada. Faz parte da inconstância do ser humano, assim como viver o melhor e ser quem você quiser ser, mesmo quando o tão sonhado objetivo pareça distante e obscuro. A fé e os desafios da vida devem conviver juntos para se equilibrarem e reforçarem o nosso clichê existencial: buscar ter uma vida feliz.
Gosto de pensar que tenho que dar chance a tudo, desde que me vi enfrentando todo tipo de situação sozinho. Dar chance a um aprendizado qualquer, a uma passagem só de ida, à despedida sem um "adeus", a uma música no silencio do quarto, à luz da lua sobre as árvores, àquela conversa que só existiu enquanto tomava banho, à festa com amigos, a um filme no frio do cinema, ou a um meio-sorriso de uma linda garota tímida. Sempre fui bom em buscar a esperança em cada pessoa.
Faço não por que preciso entender a fisiologia da situação, mas para saber como é a sensação, em arriscar-me em algo novo que não era minha intenção, e é justamente essa novidade que me faz seguir, viver.
terça-feira, 14 de abril de 2015
Em algum lugar no passado
Você não vai acreditar. É a primeira vez que
estamos nos vendo e não é a primeira vez. Eu, na verdade, voltei para 23 de
agosto de 2013. São 20h 20min, instantes anteriores ao nosso primeiro beijo.
Parece loucura, mas em 15 minutos você perguntará se eu ficarei contigo, de um
jeito direto e abusado, e responderei desconcertado diante de nosso pouco
contato:
- Acho que sim.
E daí o chicote da sua língua não deixará por
menos:
- Acho não me serve!
Com o desafio, não me deixará opção, prenderei seus
braços na parede e a beijarei longamente.
Queria dizer que vim do futuro porque não consegui
consertar nosso presente - e sinto uma saudade imperdoável. Nossa vida está
condenada ao ressentimento.
Não confia em mim? Pois não escolheremos nenhum
preto principal da risoteria. Iremos do couvert direto à sobremesa.
Ainda não acredita? Daqui a pouco sairá para fumar,
aliviada porque também fumo, você sempre quis um namorado fumante. Estará
chovendo e colocará o casaco na cabeça, parecerá um elfo. Peço a você que desapegue do passado,
abandone o que já viveu.
Não está entendendo nada que estou falando, né?
Bem, como adverti-la daquilo que nos afastou e não estragar a noite em que nos
conhecemos? Se o medo fosse assim, doce e ingênuo, estaríamos salvos. Você não
é ingênua. Você vai errar comigo e não se movimentará para consertar,
envergonhada e imobilizada pelo orgulho ferido.
E perderemos o contato. Mas antes, perderemos uma gravidez, a nossa
espontaneidade, perderemos nossa vontade de morar na Zona Sul, os amigos e
família. E nos perderemos para sempre.
Iremos nos separar em 2015. Após um ano e sete meses. Hoje vamos transar, será
inesquecível, seu corpo foi feito para se encaixar no meu, adoramos a mistura
de nossos perfumes, estaremos leves, alegres e maravilhados com nossa empatia.
No próximo dia não iremos nos desgrudar, trará lentamente sacola de roupas para
o apartamento, até vir com as malas, após aceitar meu pedido de casamento com
os olhos encolhidos de felicidade, mergulhada numa braçada de rosas
colombianas.
Mas, amor, peço para nunca se afastar de mim. Em hipótese alguma. Meu tempo está acabando e te beijarei com lábios trêmulos. Vejo que não
entende a gravidade de meu apelo. Pensa que é apenas uma declaração romântica.
Esquecerá em meio a tanta coisa boa desta madrugada e nunca mais terei a chance
para avisá-la do quanto é um crime para a eternidade não estarmos juntos. Carpinejar
quarta-feira, 18 de março de 2015
A (Não) Dicotomia
E daí, que ela fale alto no bar?
Que ela divida a conta com você? E daí que ela ande com camisinha na bolsa? Que
beba cerveja na garrafa e goste de futebol? E daí se ela gosta de rock? Que ela
não saiba cozinhar? Que defenda o aborto? E daí se ela tenha tatuagens? E daí
se ela não usa cor-de-rosa? Que não queira ter filhos? Que não chorou no final
de Titanic? E daí se ela saiba dirigir melhor que você? Que ela te chame pra “tomar
uma”? E daí se ela não tenha passado da página 3 do livro da cinderela? E daí
se ela prefere Rubem Fonseca a Oscar Wilde? E daí se ela não faça dieta e não poste foto de
comida no instagram? Problemas socioculturais de uma
sociedade machista.
E daí? Ela vai te amar mesmo assim.
E daí? Ela vai te amar mesmo assim.
E daí, que ele não fale palavrão?
Que não abra a porta do carro? E daí se ele não joga futebol às quartas? Que ele
não saiba fazer churrasco? Que ele tenha medo de tomar choque ao trocar uma
lâmpada? E daí se ele gosta de história e artes plásticas? E daí se ele sabe a
diferença da água sanitária e do detergente? E daí que não tenha carro? Que ele
goste de conversar no motel? Que ligue a noite sem motivo? E daí se ele não tem
justificativa pra tudo? E daí se ele gosta de escrever cartas ao invés de jogar
pôquer? Ou se ele viu “500 dias com ela” umas 500 vezes?
E daí? Ele vai te amar mesmo assim.
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015
Fora do tempo
“Não deixo o tempo perdoar em meu
lugar. Não darei a ele os créditos de minhas dores. Assumo minhas falhas e eu
mesmo peço desculpa. Minha soberba é menor do que minha inteligência, e posso
garantir que é bem menor que meu coração. Ainda que seja um coração tolo,
crédulo, facilmente influenciável. Não tenho problema em perder uma briga, mas
tenho todos os medos em perder um amor. Não permito o tempo resolver o que não
resolvi, ajeitar o que não ajeitei, concluir o que abandonei, sugerir o que
silenciei, falar por mim. Não assinarei uma procuração no cartório para que ele
defina minha situação. A franqueza tem
que ser paga à vista. O tempo apenas acumula juros e distorções de nosso valor.
Não há sentido no tempo, a saudade torna todos os dias iguais. Sou adepto de
permanecer na tempestade a dois – nenhum dilúvio é para sempre. Sou possessivo
com minhas lembranças, arrumo a bagunça que criei, explico minhas crises, não
transfiro ao tempo minhas responsabilidades. Não considero justo que o tempo
diga se eu estava certo ou errado. Melhor errar assinando a página do que
acertar anonimamente. O tempo organiza, mas não define. Esfria, mas não cura.
Adia dúvidas, mas não dá certezas. O tempo finge que avançamos, mas não saímos do
lugar. Diminui as ofensas, mas não resgata os elogios. O tempo é o senhor da
razão, mas sempre escolho a fé. E a fé tem seu próprio tempo. O tempo de amar é
agora.” Carpinejar
terça-feira, 13 de janeiro de 2015
Entre nós
Eu estou aqui e permanecerei até
meu corpo cansar, minha mente saturar e meu coração deixar de se perdoar. Não
acredito em receitas milagrosas, tudo é muito trabalho e paciência. Há muito
amor em dar-se uma nova chance, mas não me teste, meu amor. Não há distancia entre
nós que não podemos unir. Sempre haverá uma ponte velha para salvar você. O “acreditar”
não aceita contra-argumentações. Sempre vencerei quando meus pensamentos
desistirem de sabotar minha razão, mas prefiro me perder contigo. Sem jogos,
sem jogadores.
A esperança é nossa única arma e
estamos em guerra. A fé e a ilusão caminham juntas, não há como evitar. Peço,
não provoque minha filosofia. Prefiro dar-te o que tenho de melhor, mas que só
pode ser dado, quando já foi aceito. Sem contratos, somente olhares. Pode não
acreditar em mim, mas acredito em você.
Penso e escrevo como outrora. Já
me perdi muito entre o teclado do computador e meus devaneios noturnos. Em noites longínquas
quando só restavam as cinzas do cigarro na mesa. Hoje, sinto-me mais próximo de você do que
desta folha de papel digital em minha frente. Sabe por quê? Porque quando há fé
não há distância. Quando há esperança não há dor que não passe e não há coração que não se cure.
quinta-feira, 8 de janeiro de 2015
E o que resta é a vida
Ele não queria ouvir seus
próprios pensamentos. No fundo, estava cansado demais para aquilo. Desejava
deixar aquele sentimento para trás, mas não tinha forças para reagir diante
daquela situação. Uma inquietação nova com resquícios de algo antigo. No entanto, não
sabia com se render, e não desistiu. Percebeu que a maior vitória foi conquistada há anos e que a maturidade veio com o tempo. Dar uma chance é a
maior atitude que ele faria. E fez. Desafios novos, remédios antigos.
Lembranças são como velhas cartas
empoeiradas e esquecidas numa gaveta ou como fitas de músicas perdidas. Sabia os parágrafos das cartas e ainda lembrava as letras das músicas. Para ele, tudo
eram papéis riscados e conversas ao entardecer. Mas agora não fazia diferença porque
sabia que o sol sempre nasce no outro dia, com uma nova noite a chegar. Assim
como uma cicatriz em uma árvore que ninguém visita, sabia que seus dias aqui
seriam sempre assim: algo a lembrar, algo a esquecer.
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