quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A estrada


Olhar para o passado é, particularmente, nostálgico. Quando criança, fazia o percurso Belém-São Luís pelas nossas inseguras e excitantes rodovias. Na rodoviária, antes de entrar no ônibus, meus olhos já estavam no corredor, mechiam rápido como se buscassem um brinquedo perdido, e buscavam: uma poltrona na janela. Sentar-se à janela era a cereja bolo. Sentava-me, acendia a pequena e charmosa lâmpada acima do banco e esticava a cortina vinho que cobria a janela, e, de lá, observava o mundo, meu mundo.

Ao sair, geralmente à noite, despedia-me de cada curva como se fosse um parente distante que há muito não via. A leve e fria brisa no rosto, o cheiro do mato inexplorado confundia-se com as linhas mal conservadas da estrada e a escuridão entre as árvores. Não me preocupava com as condições das pistas ou com os assaltos à luz da lua, apenas fixava meu olhar no horizonte como se algo fosse sair daquele breu. A expectativa é orgulhosa, não dá espaço. Os arbustos se misturavam, eram cúmplices das elucubrações de uma criança. Aguardava o ano todo para isso. E, no fim do ano, não queria um carrinho, ou uma bola, mas, sim, uma viagem.

A estrada não é ciumenta, nem rancorosa, não pergunta seu CPF ou se possui dívidas. Ela quer apenas que você a visite de vez em quando, com todos seus sonhos.

Hodiernamente, nas ruas e rodovias, ainda gosto de observar as árvores sob o som do silêncio da madrugada. O mistério da escuridão das estradas é um tranquilizante, meu ansiolítico.

Lembranças de uma infância. Parte de mim.