Era
uma vez um cão. Ele ainda não tinha encontrado um lugar para ficar. Pra dizer
que era “seu”. Perambulava pelas ruas, revirava latões e dormia sob marquises.
Ele era um cão diferente, latia para si mesmo e os outros cães não o entendiam.
Urinava apenas quando ninguém estava olhando. Não queria um dono. Reclamava por
que Deus o tinha deixado nas ruas, ou ao menos permitido aquilo. O abandono é
cruel e seco. Adorava andar na cidade, conhecia todas as galeterias e fundos de
lojas e aos domingos ficava triste, mesmo sem motivo aparente. Às vezes,
passava na porta de uma velha igreja, entrava e sentava bem na entrada. Não
latia, um quase-acordo velado, assim, estranhamente, ninguém o expulsava. Mas logo
saía. O cão não tinha culpa de ter
quatro patas, em um mundo dominado por duas pernas, era corajoso, mas não se
sentia bem em alguns dias com isso. Seu amigo, um senhor grisalho com um “ar”
de padeiro, dono de um antigo restaurante, dava comida a ele. Já as outras
pessoas pareciam que o odiavam. Ele sempre foi um bom cão, fiel e companheiro,
mas sua fidelidade era solitária. Gostava de ouvir a música que saía dos rádios
dos carros quando estacionados, ouvia as promessas de amor entre casais quando
dormia embaixo dos bancos das praças. Ele tinha relações simples e leves com a
vida. O cão sempre lutou nas ruas para sobreviver, conseguiu resistência e uma
capacidade leniente de viver naquela selva egoísta que tirava suas energias.
Apesar disso, o cão era feliz e seu sonho era poder ver o mar que em seus
sonhos nascia embaixo de uma falésia rochosa num dia de sol. Esse era sempre seu
último pensamento antes de dormir, na rua, de novo. No outro dia, acordava e
caminhava discretamente pelas ruelas para não atrapalhar as pessoas. Aquelas
ruas eram o seu “playground” e seu destino.
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