terça-feira, 26 de maio de 2015

Um lugar pra ficar


Era uma vez um cão. Ele ainda não tinha encontrado um lugar para ficar. Pra dizer que era “seu”. Perambulava pelas ruas, revirava latões e dormia sob marquises. Ele era um cão diferente, latia para si mesmo e os outros cães não o entendiam. Urinava apenas quando ninguém estava olhando. Não queria um dono. Reclamava por que Deus o tinha deixado nas ruas, ou ao menos permitido aquilo. O abandono é cruel e seco. Adorava andar na cidade, conhecia todas as galeterias e fundos de lojas e aos domingos ficava triste, mesmo sem motivo aparente. Às vezes, passava na porta de uma velha igreja, entrava e sentava bem na entrada. Não latia, um quase-acordo velado, assim, estranhamente, ninguém o expulsava. Mas logo saía.  O cão não tinha culpa de ter quatro patas, em um mundo dominado por duas pernas, era corajoso, mas não se sentia bem em alguns dias com isso. Seu amigo, um senhor grisalho com um “ar” de padeiro, dono de um antigo restaurante, dava comida a ele. Já as outras pessoas pareciam que o odiavam. Ele sempre foi um bom cão, fiel e companheiro, mas sua fidelidade era solitária. Gostava de ouvir a música que saía dos rádios dos carros quando estacionados, ouvia as promessas de amor entre casais quando dormia embaixo dos bancos das praças. Ele tinha relações simples e leves com a vida. O cão sempre lutou nas ruas para sobreviver, conseguiu resistência e uma capacidade leniente de viver naquela selva egoísta que tirava suas energias. Apesar disso, o cão era feliz e seu sonho era poder ver o mar que em seus sonhos nascia embaixo de uma falésia rochosa num dia de sol. Esse era sempre seu último pensamento antes de dormir, na rua, de novo. No outro dia, acordava e caminhava discretamente pelas ruelas para não atrapalhar as pessoas. Aquelas ruas eram o seu “playground” e seu destino.

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