A escola pública não consegue preparar seus alunos para o
Enem e os vestibulares tão bem quanto as escolas particulares de ponta.
Solução: melhorar a qualidade do ensino público? Não: criar cotas nas universidades para alunos egressos de escolas
públicas. O sistema político-partidário é tradicionalmente dominado por homens.
Solução: iniciativas para enfrentar a cultura machista e discriminatória? Não:
criar cotas de reserva para candidatas mulheres nas eleições legislativas. A programação de emissoras de Rádio e televisão privilegia músicas e
filmes estrangeiros. Solução: estimular a formação de artistas nacionais, a
produção de suas criações em meio digital e multiplicar festivais e eventos de
divulgação de suas obras? Não: criar cotas mínimas de programação de conteúdo
nacional em Rádio e TV.
O Brasil não enfrenta
seus problemas objetivamente. No país, quando qualquer grupo se sente
prejudicado ou sub-representado, a política busca atalhos, e não a resolução efetiva,
que demandaria debate, persistência e vontade geral. Vende-se a ilusão de
que as cotas, por si só, reparariam injustiças históricas e estabeleceriam
algum tipo de equilíbrio de
representatividade entre os diversos grupos sociais. É ilusão, pois cada ser
humano encerra muito maior valor ou complexidade do que apenas a sua origem
geográfica ou étnica, identidade religiosa ou sexual, características físicas
etc.
A utilização abusiva e sem critérios do atalho das cotas
pode gerar distorções piores que as que pretende enfrentar, gerar tensões e ressentimentos e, principalmente, adiar o debate
quanto a soluções efetivas para desigualdades constatadas. Porque não cotas de
gênero? Porque não cotas religiosas? Porque não cotas de acordo com a origem
dos candidatos segundo as diversas regiões do país, ou do estado, ou dos
bairros de uma cidade? De acordo com o projeto, até 40% das vagas de cada concurso
poderão ser destinadas não àqueles que se prepararam melhor e que num certame
aberto se classificaram como os mais aptos a exercerem determinada função
pública, mas sim aos que se enquadrarem em algum critério arbitrário de
inclusão em segmento protegido por cotas. A proposta é extremamente nociva.
Fere a isonomia, desestimula a meritocracia e, a médio prazo, tende a piorar a
qualidade do serviço público. Não contempla nenhuma metodologia científica
séria, sociológica, antropológica ou gerencial, masapresenta o sedutor discurso
de compensação de injustiças seculares, como se, para compensá-las, fosse
necessário praticar outras injustiças no presente. É importante que o Senado
discuta e aprimore esta proposição.
Não parece longe o dia
em que algum legislador, constatando que há mais de 30 anos um time do
Nordeste, Norte ou Centro-Oeste não vence o Campeonato Brasileiro de Futebol da
Série A, irá propor algum tipo de critério de cotas para supostamente fazer
justiça aos brasileiros dessas regiões.
Com uma diferença, a
reserva de 20% praticamente fará com que o concurso perca o caráter
concorrencial. Ou seja, bastará ao negro tirar a nota mínima para conquistar o
cargo. Isso não é direito. É privilégio. De fato, se somarmos os 20% possíveis
para as pessoas com deficiência com os 20% possíveis para os negros, então
poderemos ter 40% dos servidores entrando no serviço público não por meio de um
concurso, mas por meio de um teste de aptidão mínima, tal como é o Exame da
Ordem dos Advogados. É uma política paliativa e desarrazoada.
Sem mais.
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