sábado, 9 de novembro de 2013

A Ilusão da igualdade


A escola pública não consegue preparar seus alunos para o Enem e os vestibulares tão bem quanto as escolas particulares de ponta. Solução: melhorar a qualidade do ensino público? Não: criar cotas nas universidades para alunos egressos de escolas públicas. O sistema político-partidário é tradicionalmente dominado por homens. Solução: iniciativas para enfrentar a cultura machista e discriminatória? Não: criar cotas de reserva para candidatas mulheres nas eleições legislativas. A programação de emissoras de Rádio e televisão privilegia músicas e filmes estrangeiros. Solução: estimular a formação de artistas nacionais, a produção de suas criações em meio digital e multiplicar festivais e eventos de divulgação de suas obras? Não: criar cotas mínimas de programação de conteúdo nacional em Rádio e TV.

O Brasil não enfrenta seus problemas objetivamente. No país, quando qualquer grupo se sente prejudicado ou sub-representado, a política busca atalhos, e não a resolução efetiva, que demandaria debate, persistência e vontade geral. Vende-se a ilusão de que as cotas, por si só, reparariam injustiças históricas e estabeleceriam algum tipo de equilíbrio de representatividade entre os diversos grupos sociais. É ilusão, pois cada ser humano encerra muito maior valor ou complexidade do que apenas a sua origem geográfica ou étnica, identidade religiosa ou sexual, características físicas etc.

A utilização abusiva e sem critérios do atalho das cotas pode gerar distorções piores que as que pretende enfrentar, gerar tensões e ressentimentos e, principalmente, adiar o debate quanto a soluções efetivas para desigualdades constatadas. Porque não cotas de gênero? Porque não cotas religiosas? Porque não cotas de acordo com a origem dos candidatos segundo as diversas regiões do país, ou do estado, ou dos bairros de uma cidade? De acordo com o projeto, até 40% das vagas de cada concurso poderão ser destinadas não àqueles que se prepararam melhor e que num certame aberto se classificaram como os mais aptos a exercerem determinada função pública, mas sim aos que se enquadrarem em algum critério arbitrário de inclusão em segmento protegido por cotas. A proposta é extremamente nociva. Fere a isonomia, desestimula a meritocracia e, a médio prazo, tende a piorar a qualidade do serviço público. Não contempla nenhuma metodologia científica séria, sociológica, antropológica ou gerencial, masapresenta o sedutor discurso de compensação de injustiças seculares, como se, para compensá-las, fosse necessário praticar outras injustiças no presente. É importante que o Senado discuta e aprimore esta proposição.

Não parece longe o dia em que algum legislador, constatando que há mais de 30 anos um time do Nordeste, Norte ou Centro-Oeste não vence o Campeonato Brasileiro de Futebol da Série A, irá propor algum tipo de critério de cotas para supostamente fazer justiça aos brasileiros dessas regiões. 

Com uma diferença, a reserva de 20% praticamente fará com que o concurso perca o caráter concorrencial. Ou seja, bastará ao negro tirar a nota mínima para conquistar o cargo. Isso não é direito. É privilégio. De fato, se somarmos os 20% possíveis para as pessoas com deficiência com os 20% possíveis para os negros, então poderemos ter 40% dos servidores entrando no serviço público não por meio de um concurso, mas por meio de um teste de aptidão mínima, tal como é o Exame da Ordem dos Advogados. É uma política paliativa e desarrazoada.
Sem mais.

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