quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Dois


Ele era diferente, tinha modas e manias, caminhava rapidamente, coçava a cabeça quando estava ansioso e possuía uma incrível preocupação com o tempo, talvez por sua composição astrológica que ele teimava em não acreditar. Ela era séria, tinha um olhar triste, mas era carinhosa e gentil, possuía um ciúme irresistível e cultivava uma modéstia admirável.

No apê dele, sempre víamos as roupas amassadas no canto do quarto, as chinelas quase embaixo da cama, papéis compartilhando o espaço de cima da mesa marrom que ganhara da tia, capas de CDs nas gavetas e o notebook aberto com algum filme passando. Ela sempre achou estranho sua mania de cinema. Via-o com olhos de alguém bobo, mas irresistivelmente atraente e interessante.

Os dois combinavam. Gostavam da discrição e das aventuras entre as quatro paredes. Tinham sonhos e objetivos, vidas e vivências. Ele ia e ela o seguia, não atrás, ao lado. Gostavam de tardes no parque e de barzinhos na madrugada.

Porém, um dia a conversa parou. As ligações cessaram, mudaram de horário, e demoravam a ser atendidas. As divergências sempre existiam, mas eram ofuscadas pela opressão dos sentimentos bons e das noites de vinho no tapete da sala dele. Não importa como, os rostos ficaram inconvenientes e, de repente, a fala tornou-se grito. Minto, eles não brigavam, se evitavam. Do sol quente e da cerveja gelada, sobrou o alento das lembranças. O sábado tornou-se depressivo e o saudosismo suas primeiras palavras.

Um dia, a vida a dois deixou de ser fantasia ou romance e se tornou apenas vida a dois. Foi isso que eles perceberam. E aos poucos as conversas voltaram. A conformação era o sentimento mais límpido que repousava nos travesseiros. O amor tem um pouco de compreensão. Dizer “te amo” não é um “bom dia”. Ela entendeu. Ele se adaptou.

Ambos assinaram o acordo e as toalhas voltaram para o box do banheiro.

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