terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Polissemia fiscal


Sou de “esquerda” e apoio as intervenções governamentais na economia feitas pelo Governo nos últimos anos, mas achei inédito – pra não dizer estranho – a demanda pela diminuição da meta fiscal deste ano. A meta de resultado fiscal, que visa a obter o superávit primário (SP), não será cumprida pelo Governo. Isto é um fato. Na conta do SP, das receitas primárias subtraem-se as despesas também primarias, ou seja, recebimentos e gastos não financeiros. No momento, o Governo quer alterar o cálculo do superávit (indicador de cumprimento fiscal na LRF) via um projeto de lei que altera a LDO para retirar do cálculo despesas com o PAC e desonerações fiscais, assim cumpriria a meta que ficaria em 10 bilhões (hoje a meta é de 81 bilhões). Apenas lembrando que a finalidade desta “sobra” é pagar os juros da dívida do país.

Bem, o problema é que as despesas que serão retiradas e baixarão a meta são despesas PRIMÁRIAS, obras e tributos, assim, devem constar do cálculo. Com isso, o país revela, ao baixar a base de cálculo, que não tem condições (ou comprometimento) em pagar os juros da dívida, tampouco amortizar o principal dela. Países estrangeiros, observantes, tenderão a aumentar os juros de suas transações com o país (pois o risco é maior) e, em provável escala, diminuirão seus investimentos nos títulos públicos brasileiros. De qualquer maneira, o Governo deverá rever medidas de contenção de custos e em outros gastos como no seguro-desemprego e pensões, por exemplo.

Bem, essa é minha visão ampla, no entanto, vejo que pagar dívida pública e juros nunca foi (e nem deveria ser) a maior prioridade no país. Você na sua casa odeia ter que pagar juros do cartão, né? ...mas isso é inerente do sistema financeiro e nunca impediu de você realizar sua compra – às vezes recorrendo a uma operação de crédito (empréstimo) – para aumentar os bens de sua casa. Há dívidas, mas há aumento do seu “PIB” domiciliar.

O Brasil, nos últimos anos, mostrou-se bom pagador e local benfazejo para investimentos. O PIB cresceu na década presente e a economia não “baixou a guarda” frente a uma crise européia. Para mim, retirar certos gastos para assegurar o cumprimento do plano de governo e, com isso, os projetos sociais, é uma atitude coerente e corajosa, apesar de ser desrespeitosa para com as normas da LRF. Aguardaremos as medidas. 

Um comentário:

  1. Há uma série de questões a serem discutidas a respeito, mas me limito às observações abaixo:
    1. Mesmo incluindo desonerações e investimentos do PAC na conta, a situação fiscal brasileira é melhor do que a de Índia, Japão, Espanha, Reino Unido, EUA e outros;
    2. Uma coisa é a economia da dona de casa; outra, completamente diferente, é a macroeconomia. Macroeconomia não é economia doméstica transplantada para um páis. A ideia de que não se deve gastar mais do que se arrecada funciona pra mim, pra você, pra dona Maria. Se esta ideia fosse aplicada à coletividade, estaríamos todos mortos;
    3. O que determina a compra de títulos públicos brasileiros por parte de estrangeiros e nacionais é o diferencial entre a SELIC e as alternativas à ela. Ainda que derrubem a SELIC, a taxa brasileira permanecerá entre as maiores remunerações financeiras do globo. A alteração na LRF, portanto, pouco ou nada influenciará a decisão do especulador interno e externo em comprar títulos brasileiros;
    4. A maioria dos países financia dívida com mais dívida. Isto é administrável. Se houver déficit primário por um tempo, não há problema desde que preservados emprego e atividade econômica. O indicador mais apropriado para se monitorar esse quadro é a relação DÉFICIT / PIB e DÍVIDA / PIB.
    5. Ao contrário do que se aplica em economia doméstica, cortar gasto corrente pode aumentar o déficit, uma vez que a redução da atividade provoca corrosão na receita tributária.
    Por enquanto é isso, meu camarada.

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